Trocar a selva de concreto pela Selva Amazônica por vinte dias não é pra qualquer Jane. Se for uma carioca da gema, então... Em 1999, eu fui ao encontro do Tarzan na Amazônia. Segue o relato.
Cá estou eu, nariz grudado à janela do avião. Lá embaixo se derrama a selva, serpenteada por um ou outro rio – ou o mesmo – que brilha, purpurinado pela luz do sol. É minha primeira vez na Amazônia, e será a primeira para muitas outras coisas também, eu apenas ainda não sabia disso. Estou há quinze horas e pelo menos três vôos, da segurança da metrópole.
Chego ao Aeroporto Internacional de Cruzeiro do Sul: azulejos brancos nas paredes, uma mesa onde seriam colocadas as malas, para que cada passageiro resgatasse a sua, e nenhum funcionário para conferir o número da etiqueta na bagagem. Fico me perguntando: "Por que Aeroporto Internacional?". Logo descubro a resposta: uma empresa aérea, uma única empresa, fazia um vôo para o Peru, saindo daquele aeroporto. "Ah, ta...".
Um enxame, mas não de mosquitos (ainda...)
Mochila nas costas, saio do aeroporto e sou rodeada por uma multidão de motoristas de táxi, todos falando ao mesmo tempo. São doze quilômetros até o centro da cidade e eles concorrem entre si para ver quem vai faturar aquela corrida.
Sigo para o hotel, conversando com o motorista, simpático. Ele conta que havia comprado quatro antas, através de um "mercado negro", e que as faria pro almoço de domingo e me convida para o festejo. Assim é o povo de lá: absolutamente hospitaleiro. Os animais de caça, como antas e veados capoeiros, não podem ser abatidos a menos que seja para consumo dos habitantes ribeirinhos. O problema é que esses mesmos habitantes caçam os animais e os vendem a intermediários, que vendem a intermediários, que fazem a mesma coisa, e o animal chega à cidade valendo quatro vezes mais do que quando saiu das mãos do caçador.
Segue o ritual: me instalo no hotel, saio pra comer uma pizza (razoável, quem diria...), volto embaixo de chuva, durmo, acordo, tomo café e vou para o porto, pegar o barco que me levará rio acima. Mas o que é o porto? Uma descida por um lamaçal escorregadio, que esconde segredos orgânicos indesejáveis vindos das palafitas – casas suspensas, onde habita a mais indescritível miséria e que me levaria ao barco. O nível do rio varia muito, o que significa andar mais ou menos no lamaçal.
Algumas coisas eu fui descobrindo com o tempo. Por exemplo, na Amazônia não tem inverno. Existem, sim, a estação chuvosa - que corresponde ao verão no resto do país, e a estação seca. Eu estava em plena época de chuvas, mas como nem tudo, aliás, quase nada é regido matematicamente por aquelas bandas, durante a viagem de barco intercalaram-se sol esturricante e chuva acompanhada de vento gélido. Quando cada pingo de água me atingia o rosto, parecia uma alfinetada cruel. Sem contar o sol, que transformou a minha pele em lixa, que iria descascar dias depois.
”No rio passam o bom e o ruim”
Foi isso o que uma moradora de lá me disse. Do avião, eu havia visto um carpete verde, cortado por fios de prata. Do barco, a coisa era bem diferente. Tudo acontece nos rios, que são as estradas. Árvores enormes rodeavam as margens do rio. Os pássaros, os mesmos do desenho da Pocahontas - tenho certeza, saíam dos galhos e vinham brincar com a embarcação. Macacos, muitos macacos, fazem a festa na paisagem da floresta. Enormes galhos presos ao fundo das águas apontavam para cima, servindo de obstáculos naturais. Uma hélice que prendesse ali, já era.
O espetáculo ficava por conta dos botos. Silenciado o motor, fosse para encher com gasolina o tanque, fosse pra gente (no caso eu, já que o resto do grupo era formado por homens) fazer um lanche pra galera, e vinham eles, os botos, incrementar a paisagem. Muitos na cor cinza, mas cheguei a despontar um cor-de-rosa no escuro das águas. Ágil, deu-me não mais que dois segundos de absoluta felicidade. Há quem diga que, por conta dessa visão, eu posso estar prenha. Se for história de pescador, não sei.
;-)
Impossível ficar parada nesses momentos em que o barco não se movia. Era nessa hora que os mosquitos chegavam, em bandos e – juro – munidos de computadores de bordo. Digo isso porque eles iam aonde eu não havia passado repelente, através das aberturas na minha bermuda e na minha camiseta. Foi uma festa no meu ombro, na barriga e nas costas!
De Cabral aos dias de hoje, tudo igual
Algumas paradas aconteciam em casas de ribeirinhos. É inegável a presença negra, se misturando à altivez indígena, belíssima por aquelas paragens. O que mais vi foi um povo caboclo, de pele morena e olhos puxados. Absolutamente curiosos com a presença de uma branca tão diferente – no caso eu. Acho que o estranhamento teria sido menor se houvesse ali luz elétrica. Mas como não chegam os padrões físicos do sul, através das prescindíveis novelas, eu era apenas uma figura exótica. Sem pretensões de estudá-los, de catequizá-los ou nada que o valha. Sutil, empunhava minha câmera fotográfica e saia clicando! Parando uma vez ou outra pra ensopapar minhas pernas, vítimas inocentes do ataque de formigas e (mais!) mosquitos.
Vivem os ribeirinhos hoje como viviam os índios no azar do destino que foi a aparição dos patrícios, cinco séculos antes da minha chegada. As casas são simples, sem água corrente nem energia. O banheiro é uma construção afastada da casa principal. Nem pensar em ir ao banheiro depois que escureceu, para evitar assim qualquer encontro fortuito com a galera noturna: cobras, onças e nem quero saber o que mais. Um cultivo de subsistência é instalado em terreno próximo, sendo que seu excedente é amigavelmente trocado com vizinhos. O mesmo acontece com a caça.
Na mesma proporção em que são raros, açúcar, Nescau, leite condensado, leite em pó, são idolatrados. Sorte que enlatado era o que não faltava na minha mala. Por uma noite de sono em rede dependurada no teto foi esse o preço que paguei. Mais: se roupa tivesse, estaria fadada ao amor eterno daquela gente amistosa. Não foi o caso. Levei o mínimo para não ter muito que carregar. Realista, não abri mão do papel higiênico.
Vergonhas por debaixo dos panos
Perguntam-me todos, e sei que o leitor se indaga o mesmo: "mas e os índios?". Houve encontros, sim, mesmo que breves. O primeiro deles, ria-se de mim, foi numa xoupana onde eles vendiam artesanato para turistas bobocas. Como essas últimas palavras estavam estampadas em letras garrafais na minha testa, longa batalha se seguiu até que eu conseguisse sair de lá com os objetos do meu desejo: colares, pulseiras, cerâmicas.
O segundo encontro foi lirismo puro e aconteceu durante a festa de entrega•de diploma de magistério para um grupo de índios de diversas tribos. Eufóricos, festejaram até o dia nascer, regados a muita cerveja. Eu não pude ficar, tinha compromisso com meu eu invisível no Santo Daime.
O terceiro foi nas ruas de Cruzeiro do Sul. A proximidade com o Peru estampou no rosto desses índios, de quase 1,90m, traços incas. Foram os mais belos que vi. Altivos e desconfiados, nem me deram papo. Esses personagens, que antes viviam nas páginas de O Guarani, hoje povoam meus saudosos sonhos. Mas não se iluda: idéias românticas de lado, os índios não andam nús por aí, portando arco e flecha. Trajam jeans ou bermudas, distantes que estão das páginas dos livros.
Eu sobrevivi!
Na minha doce inexperiência, não levei sapato adequado para o que encontraria: um misto de atoleiro com mata fechada. O par de chinelos, que nem voltou na bagagem, tornou-se um perigo, já que a umidade fazia os pés deslizarem para fora deles. E sabe aquele tênis que eu adoro e, exatamente por isso, está com a sola desgastada e lisa? Pois é, nem pensar! Escorrega mais ainda. A solução, já que não tinha um terceiro par de sapatos, foi andar descalça mesmo. E rezar pra todos os santos, católicos ou não. Quando eu me permitia olhar para o chão, via um sem número de aranhas cruzando meu caminho. Juntando isso a uma mordida na língua, pra ficar quieta e segurar o chilique, tem-se aí uma mulher em desespero.
Mas a verdade é que, depois de oito horas sentada num barco, sem posição e temendo nunca mais voltar a sentir meus glúteos de novo, cheguei de volta à Cruzeiro do Sul viva. Não encontrei Tarzan, semi-nú e bonitão, pra me salvar do desconhecido. Ao contrário, entrei de pés descalços no universo novo. Participei do preparo e me embebedei de Santo Daime, provei delícias inéditas ao meu paladar, me acabei de tanto fotografar e prosear. Hoje, esquisita pra mim é a selva de concreto!
Geléia de Cupuaçú
Esse papo todo de Amazônia me deixou saudosa.
Em tempos de Natal, eu lembrei de uma receita que vou passar a vocês em duas etapas: Cheesecake com Geléia de Cupuaçú. O Cheesecake é em homenagem aos americanos, que criaram o Natal como é comemorado hoje em muitos lugares. E o Cupuaçú é em homenagem à Amazônia.
Geléia de Cupuaçú
Ingredientes:
1 Kg de Polpa de Cupuaçú
1 Kg de açúcar refinado
Despeje em uma panela funda primeiro a polpa e por cima dela, o açúcar. Em fogo alto, espere a polpa ferver, baixe o fogo e vá misturando o açúcar devagar. Sempre mexendo por 50 minutos, comece a testar o ponto, virando a colher com geléia sobre a panela. Veja se a gota se forma rapidamente (sinal de que ainda está rala) ou se a gota se forma devagar e cai lentamente (sinal de que já engrossou).
Coloque em pote de vidro esterelizado e tampa de metal. Guarde na geladeira e coloque sobre o Cheesecake na hora de servir.
Dinda.